Faz um certo tempinho que eu não tenho postado nesse blog.Cheguei em um "dia de folga", onde me dei ao luxo de passar um dia sem fazer nada relacionado a minha faculdade.
Bem no começo desse ano, estávamos eu e o meu pai em um carro, voltando para a casa, quando precisamos parar em um posto para reabastecer.Era um dia quente, deveriam estar fazendo uns 32 ºC.Aproveitando a parada, decidimos calibrar os pneus.
No caso do pneu dianteiro, tínhamos que a pressão máxima do ar (em especificação do fabricante, com o pneu "frio") era de 28 bar, mais ou menos 28 atm, ou 2800 kPa, para os mais chegados do SI.
Ao plugar o calibrador no pneu, tivemos uma surpresa um tanto quanto interessante: o aparelho de calibração acusou que a pressão no pneu era de 29 bar.Teria o pneu se enchido sozinho?(Não, mas a pergunta retórica ainda vale).
Qualquer gás possui três variáveis importantes, que permitem, posteriormente, calcular o trabalho que a sua expansão/compressão possa fornecer/demandar, além de que, com base no fato de que essas três variáveis estão relacionadas entre si), descobrir o valor de uma em função de outras duas.Para tal, precisamos de uma adaptação da lei geral dos gases ideais, que encontra-se abaixo:
Onde P é a pressão do gás, V é o volume por esse ocupado e T a sua temperatura (em escala absoluta, i.e. Kelvin).De acordo com a lei geral dos gases ideais, o valor (PV/T) é constante para um certo gás.A partir dessa propriedade, podemos obter várias equações a partir dessa lei, que regem as transformações que um gás pode sofrer.
(Nota:Ah, mas cadê o número de mols?Tá errado! - No caso do pneu, não é tão interessante falar sobre o número de mols dos gases que estejam preenchendo o pneu.Pressão, volume e temperatura já bastam para a intenção desse post.)
Algumas dessas transformações são:
- Isovolumétrica/Isocórica - Ocorre quando o volume ocupado pelo gás em questão mantém-se constante ao longo da transformação.Resta, portanto, a relação P/T, onde a temperatura é diretamente proporcional a pressão.Guardemos essa, em especial.
- Isobárica - Ocorre quando a pressão (lembre-se do barômetro) do gás em questão mantém-se constante ao longo da transformação.Resta, portanto, a relação V/T, onde a temperatura é diretamente proporcional ao volume.Um exemplo legal aqui.
- Isotérmica - Ocorre quando a temperatura do gás em questão mantém-se constante ao longo da transformação.Resta, portanto, a relação PV, onde a pressão é inversamente proporcional ao volume ocupado.Um exemplo interessante é brincar com uma seringa.Tape o buraco onde a agulha estaria encaixada com o dedo, e empurre o êmbolo para a frente.Você notará que, conforme a marcação (volume) da seringa for menor, mais difícil será empurrar o êmbolo para a frente.Isso ocorre porque a redução do volume acaba implicando no aumento da pressão, que por sua vez aumenta a força necessária para a compressão do ar.
Pois bem.Para tentar explicar o que aconteceu com o pneu (de maneira fácil), vamos supor que o volume do pneu manteve-se constante ao longo da transformação ou que a sua variação pode ser desprezada.Isso faz com que tenhamos uma transformação isovolumétrica, que relaciona pressão com a temperatura, e que permite o uso dos dados que temos em mãos.
Ainda por cima, suponhamos que a temperatura atmosférica na qual o pneu "esteja frio", seja de 25ºC, a temperatura ambiente.
Convertendo as temperaturas para Kelvin, temos que 25ºC (Tfrio) equivalem a 298 K, e que 32ºC (Tquente) equivalem a 305 K.Aplicando a relação das transformações isovolumétricas, temos:
Estando a temperatura em uma escala absoluta, não faz tanta diferença a unidade da pressão.A partir daí, obtemos os seguintes valores:
Espere.Podemos estimar o valor da temperatura do ar dentro do pneu?Sim!E, em uma situação ideal, ele seria igual a Tquente?Sim!O pneu, então, poderia ser usado como um termômetro?Sim!
Fazendo as contas, temos que Tquente é igual a aproximadamente 309K.Ou seja, a temperatura do gás dentro do pneu seria de 36ºC. Conclusão, um pneu não seria um termômetro muito preciso.
Ao meu ver, essa é uma aplicação interessante da lei geral dos gases.Para explicar a imprecisão do pneu-termômetro, poderia citar alguns fatores:
- O significado da expressão "pneu frio" não diz respeito a temperatura, mas sim ao uso do pneu.Um pneu estar frio implica que o carro não foi usado antes da calibragem, justamente pelo fato de que esse uso, por trazer aquecimento (seja pelo atrito com o solo ou por outras fontes), tornaria a calibragem imprecisa.Essa imprecisão faz com que, em situações mais extremas, o pneu trafegue com pressão abaixo/acima da recomendável, o que é um risco a segurança do veículo e dos seus ocupantes.
- Salvo alguns veículos antigos, a maior parte da área superficial de um pneu é preta, cor conhecida por absorver uma grande quantidade de calor (ao invés de refleti-lo, como ocorre com superfícies metálicas ou com a cor branca).Se o carro foi exposto a luz solar durante o dia todo, pode-se esperar que a temperatura dos pneus esteja levemente superior a temperatura ambiente.
- Compressores de ar de posto de gasolina, em um geral, marcam a pressão do pneu em números inteiros.A ausência de decimais reduz sensivelmente a precisão do valor aferido (29 bar, no caso, poderia ser tanto 29,5 bar como 28,5 bar, o que afeta sensivelmente o cálculo da temperatura).
É um tanto quanto estranho pensar que um pneu de carro poderia servir como um termômetro, junto com o medidor de pressão (calibrador).Ainda assim, vale a pena tentar relacionar física com o cotidiano (e descobrir algumas coisas interessantes :D )
Até a próxima!