Saturday, June 1, 2013

Pneu-termômetro?

Olá, leitores, tudo bem?

Faz um certo tempinho que eu não tenho postado nesse blog.Cheguei em um "dia de folga", onde me dei ao luxo de passar um dia sem fazer nada relacionado a minha faculdade.

Bem no começo desse ano, estávamos eu e o meu pai em um carro, voltando para a casa, quando precisamos parar em um posto para reabastecer.Era um dia quente, deveriam estar fazendo uns 32 ºC.Aproveitando a parada, decidimos calibrar os pneus.

No caso do pneu dianteiro, tínhamos que a pressão máxima do ar (em especificação do fabricante, com o pneu "frio") era de 28 bar, mais ou menos 28 atm, ou 2800 kPa, para os mais chegados do SI.

Ao plugar o calibrador no pneu, tivemos uma surpresa um tanto quanto interessante: o aparelho de calibração acusou que a pressão no pneu era de 29 bar.Teria o pneu se enchido sozinho?(Não, mas a pergunta retórica ainda vale).

Qualquer gás possui três variáveis importantes, que permitem, posteriormente, calcular o trabalho que a sua expansão/compressão possa fornecer/demandar, além de que, com base no fato de que essas três variáveis estão relacionadas entre si), descobrir o valor de uma em função de outras duas.Para tal, precisamos de uma adaptação da lei geral dos gases ideais, que encontra-se abaixo:


Onde P é a pressão do gás, V é o volume por esse ocupado e T a sua temperatura (em escala absoluta, i.e. Kelvin).De acordo com a lei geral dos gases ideais, o valor (PV/T) é constante para um certo gás.A partir dessa propriedade, podemos obter várias equações a partir dessa lei, que regem as transformações que um gás pode sofrer.

(Nota:Ah, mas cadê o número de mols?Tá errado! - No caso do pneu, não é tão interessante falar sobre o número de mols dos gases que estejam preenchendo o pneu.Pressão, volume e temperatura já bastam para a intenção desse post.)

Algumas dessas transformações são:


  • Isovolumétrica/Isocórica - Ocorre quando o volume ocupado pelo gás em questão mantém-se constante ao longo da transformação.Resta, portanto, a relação P/T, onde a temperatura é diretamente proporcional a pressão.Guardemos essa, em especial.
  • Isobárica - Ocorre quando a pressão (lembre-se do barômetro) do gás em questão mantém-se constante ao longo da transformação.Resta, portanto, a relação V/T, onde a temperatura é diretamente proporcional ao volume.Um exemplo legal aqui.
  • Isotérmica - Ocorre quando a temperatura do gás em questão mantém-se constante ao longo da transformação.Resta, portanto, a relação PV, onde a pressão é inversamente proporcional ao volume ocupado.Um exemplo interessante é brincar com uma seringa.Tape o buraco onde a agulha estaria encaixada com o dedo, e empurre o êmbolo para a frente.Você notará que, conforme a marcação (volume) da seringa for menor, mais difícil será empurrar o êmbolo para a frente.Isso ocorre porque a redução do volume acaba implicando no aumento da pressão, que por sua vez aumenta a força necessária para a compressão do ar.
Pois bem.Para tentar explicar o que aconteceu com o pneu (de maneira fácil), vamos supor que o volume do pneu manteve-se constante ao longo da transformação ou que a sua variação pode ser desprezada.Isso faz com que tenhamos uma transformação isovolumétrica, que relaciona pressão com a temperatura, e que permite o uso dos dados que temos em mãos.

Ainda por cima, suponhamos que a temperatura atmosférica na qual o pneu "esteja frio", seja de 25ºC, a temperatura ambiente.

Convertendo as temperaturas para Kelvin, temos que 25ºC (Tfrio) equivalem a 298 K, e que 32ºC (Tquente) equivalem a 305 K.Aplicando a relação das transformações isovolumétricas, temos:



Estando a temperatura em uma escala absoluta, não faz tanta diferença a unidade da pressão.A partir daí, obtemos os seguintes valores:


Espere.Podemos estimar o valor da temperatura do ar dentro do pneu?Sim!E, em uma situação ideal, ele seria igual a Tquente?Sim!O pneu, então, poderia ser usado como um termômetro?Sim!

Fazendo as contas, temos que Tquente é igual a aproximadamente 309K.Ou seja, a temperatura do gás dentro do pneu seria de 36ºC. Conclusão, um pneu não seria um termômetro muito preciso.

Ao meu ver, essa é uma aplicação interessante da lei geral dos gases.Para explicar a imprecisão do pneu-termômetro, poderia citar alguns fatores:
  • O significado da expressão "pneu frio" não diz respeito a temperatura, mas sim ao uso do pneu.Um pneu estar frio implica que o carro não foi usado antes da calibragem, justamente pelo fato de que esse uso, por trazer aquecimento (seja pelo atrito com o solo ou por outras fontes), tornaria a calibragem imprecisa.Essa imprecisão faz com que, em situações mais extremas, o pneu trafegue com pressão abaixo/acima da recomendável, o que é um risco a segurança do veículo e dos seus ocupantes.
  • Salvo alguns veículos antigos, a maior parte da área superficial de um pneu é preta, cor conhecida por absorver uma grande quantidade de calor (ao invés de refleti-lo, como ocorre com superfícies metálicas ou com a cor branca).Se o carro foi exposto a luz solar durante o dia todo, pode-se esperar que a temperatura dos pneus esteja levemente superior a temperatura ambiente.
  • Compressores de ar de posto de gasolina, em um geral, marcam a pressão do pneu em números inteiros.A ausência de decimais reduz sensivelmente a precisão do valor aferido (29 bar, no caso, poderia ser tanto 29,5 bar como 28,5 bar, o que afeta sensivelmente o cálculo da temperatura).

É um tanto quanto estranho pensar que um pneu de carro poderia servir como um termômetro, junto com o medidor de pressão (calibrador).Ainda assim, vale a pena tentar relacionar física com o cotidiano (e descobrir algumas coisas interessantes :D )


Até a próxima!